Após mais de um século, o célebre fóssil “Homem de Java”, a primeira evidência do Homo erectus, está pronto para ser repatriado da Holanda para a Indonésia. Em 26 de setembro de 2025, o Naturalis Biodiversity Center, em Leiden, anunciou que o fóssil e outros 28 mil itens da coleção de seu descobridor serão devolvidos aos museus indonésios, seguindo um acordo assinado entre os ministros da Cultura dos dois países.
Descoberta e importância científica do fóssil
O espécime foi descoberto em Java e formalmente apresentado em 1894 pelo médico e paleoantropólogo holandês Eugène Dubois como “Pithecanthropus erectus”, ou “o homem-macaco que anda ereto”. O fóssil, posteriormente reclassificado na década de 1950 como a primeira evidência do Homo erectus, possuía um volume cerebral menor que o dos neandertais, mas o fêmur indicava a capacidade de andar ereto.
Soefwan Noerwidi, paleoantropólogo da Agência Nacional de Pesquisa e Inovação da Indonésia (Brin), destaca a relevância da descoberta. Segundo ele, o “Homem de Java” foi a primeira prova de que a origem humana está inserida na evolução darwiniana, e que “o campo da evolução humana nasceu aqui em Java”.
Uma injustiça colonial de 130 anos
Apesar da importância da Indonésia para a compreensão das origens humanas, o fóssil mais valioso do país estava fora de seu território há 130 anos. Dubois levou o crânio para a Holanda em 1895, e várias tentativas diplomáticas de repatriá-lo falharam ao longo do tempo.
O retorno do “Homem de Java” integra uma pressão global contínua sobre museus norte-americanos e europeus para repatriarem objetos de história natural com origem eticamente problemática. A historiadora Caroline Drieenhuizen, da Open Universiteit em Heerlen, Holanda, afirma que esta repatriação era tardia, pois museus de história natural têm historicamente escapado do escrutínio descolonial, mesmo tendo coleções enraizadas em práticas e pensamento coloniais. Em seu relatório, o Comitê de Coleções Coloniais da Holanda salientou que os fósseis foram escavados em uma época de “violência, exploração e desequilíbrio de poder”.
Impacto da repatriação na ciência indonésia
Para os cientistas indonésios, a restituição representa mais do que a correção de uma injustiça colonial. A proximidade com os objetos de pesquisa significa uma oportunidade maior de participar da pesquisa paleontológica global. Soefwan Noerwidi afirma que a ausência das coleções de Dubois foi uma grande perda para a ciência indonésia.
Anton Wibisono, subdiretor de Defesa Cultural do Ministério da Cultura da Indonésia, expressa grande entusiasmo. Como ex-estudante de arqueologia, ele finalmente poderá ver pessoalmente os famosos fósseis de sua terra natal, sobre os quais apenas havia lido em livros didáticos e aulas.
Os esforços diplomáticos para trazer o fóssil de volta começaram na década de 1950, época em que a Indonésia buscava construir uma narrativa nacional unificadora. A historiadora Fenneke Sysling, da Universidade de Leiden, Holanda, explica que os fósseis do “Homem de Java” serviram então como prova científica da importância da Indonésia para o mundo, embora as propostas de repatriação das décadas de 1950 e 1970 não tenham sido bem-sucedidas.
