O Cerrado brasileiro, conhecido por abrigar as imponentes onças-pintadas, tem outro residente notável: o lobo-guará. Este canídeo imponente se destaca pela sua pelagem em tons de laranja-queimado, grandes orelhas e, principalmente, pelos membros delgados que podem elevar o animal a quase um metro de altura na altura dos ombros. Bruna Nunes, pesquisadora da Onçafari, descreve-o de forma pitoresca: “Nós os chamamos de ‘raposas sobre palafitas'”.
Contrariando o nome popular e as comparações, o lobo-guará não é, de fato, um lobo, nem uma raposa, coiote ou chacal. Ele é único em seu gênero (Chrysocyon brachyurus) e se adaptou à vida no bioma do Cerrado ao longo de um processo evolutivo que durou cerca de três milhões de anos. Bruna Nunes explica que essa adaptação está visível em sua estrutura física: “Se os humanos tentassem andar por aqui, eles lutariam com a vegetação. O lobo-guará se encaixa naturalmente”, referindo-se à forma como suas pernas longas o ajudam a se locomover na vegetação alta.
Conservação e desafios no habitat
Apesar de sua adaptação natural ao ambiente, o lobo-guará enfrenta ameaças significativas à sua sobrevivência. Além da constante perda de habitat causada pela expansão agrícola, a proximidade com fazendas e cidades traz riscos. O animal é vulnerável a contrair sarna de cães domésticos e sofre com atropelamentos em estradas.
Desde 2016, a Onçafari dedica-se à pesquisa e conscientização sobre as ameaças que pairam sobre a espécie. A observação dos lobos-guarás tornou-se uma das principais experiências de ecoturismo da empresa no Cerrado. Parte dos estudos envolve equipar alguns animais com coleiras de rastreamento, o que auxilia na coleta de dados de GPS e facilita os avistamentos para pesquisa e turismo. No entanto, mesmo com o uso de frequências VHF e imagens de drones, localizar os lobos ainda é um verdadeiro trabalho de detetive, exigindo dedicação e paciência.
A busca e o encontro na savana
Em uma expedição de safári, Bruna Nunes, com uma antena em punho para interceptar sinais, expressa o espírito da busca: “Vamos ver o que encontramos. O Cerrado é sempre uma surpresa”. Durante a procura, a fauna local revela outros habitantes, como a raposa-crabívora em miniatura e emas (aves semelhantes a avestruzes). A jornada avança por “veredas” — faixas de palmeiras que margeiam os rios — e exige paradas estratégicas sempre que o sinal de rastreamento se intensifica.
A paciência é a principal lição no trabalho de campo. Após horas na estrada, em um complexo jogo de esconde-esconde, Bruna sintetiza o sentimento: “Uma coisa que aprendemos trabalhando com eles é paciência. Mas também a ter esperança”.
É em um desses momentos de persistência que o lobo-guará se manifesta. Surge no caminho, com uma agilidade e velocidade impressionantes, parecendo deslizar pela terra. Bruna observa o movimento singular do animal: “Ele anda como uma girafa, movendo os membros de um lado do corpo ao mesmo tempo.
Parece um modelo em uma passarela”, descrevendo a graciosidade do canídeo. A criatura, que parece tão em desacordo com o ambiente rústico que lhe deu origem, logo deixa a trilha e se funde com a vegetação, desaparecendo na natureza selvagem. O momento é um lembrete de que alguns dos segredos do Cerrado, e de suas criaturas mais graciosas, ainda estão destinados a permanecer intocados.
