O anolis-marrom (Anolis sagrei), um pequeno lagarto caribenho que se tornou uma espécie invasora em Nova Orleans, Louisiana (EUA), está forçando os cientistas a repensarem o que se sabe sobre os efeitos do chumbo em organismos vivos. A espécie foi identificada com as maiores concentrações de chumbo no sangue já registradas em um vertebrado, mas, surpreendentemente, os animais não apresentam sinais claros de intoxicação.
Níveis recordes de chumbo no sangue
Os lagartos anolis-marrom em Nova Orleans demonstraram uma tolerância extraordinária ao chumbo.
Concentração muito acima do limite humano
A quantidade de chumbo no sangue desses lagartos é até 200 vezes maior que o limite considerado preocupante em humanos adultos.
- Segundo o UCSF Health (hospital universitário da Universidade da Califórnia em São Francisco), em adultos, valores acima de já são classificados como preocupantes.
- Em crianças, o limite é ainda menor, de , devido aos efeitos mais graves da exposição.
Entre os lagartos, a média registrada foi de , com um indivíduo alcançando o pico de — uma concentração mais de 600 vezes superior ao limite de segurança para humanos.
Alex Gunderson, biólogo da Universidade Tulane, comentou sobre o achado: “Esses lagartos não estão apenas sobrevivendo, eles estão prosperando com uma carga de chumbo que seria catastrófica para a maioria dos outros animais.”
Onde está a fonte de contaminação
O chumbo é um legado histórico de poluição em Nova Orleans. Desde sua fundação em 1718, o metal pesado foi amplamente utilizado na cidade, especialmente ao longo do século 20, em construções (como na tinta à base de chumbo), em veículos (na gasolina com chumbo) e em indústrias. O chumbo dessas fontes acabou se depositando no solo.
Essa poluição histórica afeta os anolis-marrom diretamente, uma vez que são animais que:
- Vivem próximos ao solo.
- Respiram poeira contaminada.
- Alimentam-se de insetos que também acumulam o metal.
Resistência incomum: lagartos em plena capacidade
A pesquisa, liderada pela doutoranda Annelise Blanchette da Universidade Tulane e publicada na revista Environmental Research, analisou amostras de sangue, tecidos hepáticos e cerebrais dos anolis-marrom coletados em áreas urbanas, confirmando os níveis recordes que superaram qualquer registro anterior em peixes, aves, répteis ou mamíferos.
Apesar dos níveis alarmantes de chumbo, os testes de desempenho foram surpreendentes:
- Habilidades normalmente comprometidas pelo envenenamento por chumbo — como equilíbrio, velocidade e resistência — permanecem preservadas nos lagartos.
- Foi necessário expor os animais a concentrações cerca de dez vezes maiores do que as registradas em campo para que apresentassem alguma queda de desempenho.
“Eles estão funcionando em plena capacidade, apesar dos níveis recordes de chumbo. Isso os torna um dos animais mais tolerantes ao metal, se não o mais, conhecido pela ciência,” afirmou Blanchette.
Exames mais detalhados revelaram apenas efeitos menores no fígado e no cérebro. Os cientistas notaram alterações em alguns genes ligados à regulação de íons metálicos e ao transporte de oxigênio, o que pode estar relacionado à sua resistência incomum ao chumbo.
Implicações para a toxicologia de vertebrados
Embora a comparação direta com humanos não seja aplicável, a pesquisa é vital para destacar a persistência da poluição por chumbo no ambiente e a necessidade de reduzir a exposição em populações vulneráveis.
Gunderson concluiu que a descoberta exige uma reavaliação: “Precisamos reavaliar o que sabemos sobre os limiares de toxicidade em vertebrados. Se conseguirmos descobrir o que os protege, poderemos descobrir estratégias que ajudem a mitigar o envenenamento por metais pesados em humanos e outras espécies.”