O trabalho de campo no Pantanal exige paciência e persistência, especialmente quando o objetivo é monitorar o maior felino das Américas. Em 2012, a bióloga Lilian iniciou uma jornada desafiadora na região do Caiman, percorrendo quilômetros em busca de rastros e sinais desses animais. O esforço inicial permitiu a instalação de um colar de monitoramento via rádio em uma fêmea batizada de Esperança.
Durante semanas, a equipe dedicou noites inteiras ao rastreamento para entender o comportamento e a localização do animal. Esse monitoramento constante foi o primeiro passo fundamental para estabelecer uma conexão segura entre os pesquisadores e a vida selvagem. A bióloga destaca que o conhecimento prévio do território foi essencial para o sucesso dessa fase inicial do projeto.
A fêmea Esperança tornou-se um marco para a conservação na região, sendo a primeira onça-pintada a passar pelo processo de habituação. Através dela, os pesquisadores puderam testar técnicas que transformariam a forma como os seres humanos interagem com esses predadores. Esse trabalho pioneiro serviu de base para as estratégias de preservação que o Onçafari utiliza até hoje.
A metodologia de habituação e aproximação gradual
A habituação é uma técnica científica que consiste em fazer com que o animal se acostume com a presença humana sem que isso altere seu comportamento natural. Diferente da domesticação, o objetivo aqui é ser visto como um elemento neutro no ambiente, não oferecendo ameaça nem alimento. No projeto piloto do Onçafari, a equipe de Lilian precisou de meses para ganhar a confiança dos felinos locais.
O processo de aproximação acontecia de forma extremamente lenta e controlada para evitar o estresse do animal. No começo, os pesquisadores mantinham uma distância de segurança superior a 200 metros, permanecendo imóveis dentro de veículos. Com o passar dos dias, pequenos estímulos sonoros, como uma tosse leve, eram introduzidos para que a onça percebesse a presença humana e voltasse a relaxar.
A evolução desse método exige um rigoroso protocolo de paciência, levando quase um ano para que distâncias curtas fossem alcançadas com segurança. Lilian relata que levou nove meses de trabalho diário para conseguir ficar a apenas 12 metros de uma onça. Esse respeito ao tempo do animal é o que garante que a confiança seja estabelecida de maneira sólida e duradoura.
O legado genético da confiança entre as gerações
Um dos aspectos mais fascinantes da habituação é a sua capacidade de ser transmitida de mãe para filhote através do aprendizado social. Quando uma fêmea como a Esperança entende que a presença de um carro de pesquisa não representa um perigo, ela transmite essa tranquilidade para sua prole. Os filhotes crescem observando a reação da mãe e passam a aceitar a presença humana naturalmente.
Esse fenômeno criou uma linhagem de animais habituados, facilitando o estudo científico e o ecoturismo na região pantaneira. A Natureza, filha mais velha de Esperança, foi uma das primeiras a demonstrar que o ensinamento materno era eficaz. Ao observar que a mãe não fugia nem se tornava agressiva com os pesquisadores, ela replicou o comportamento e o transmitiu para suas próprias crias.
Essa sucessão de confiança garante a continuidade dos estudos biológicos sem a necessidade de intervenções invasivas frequentes. Através desse ciclo, a ciência consegue observar momentos raros da vida selvagem, como caçadas e cuidados parentais, que seriam impossíveis de presenciar sem a habituação. O resultado é um equilíbrio onde a preservação da espécie caminha junto com o conhecimento acadêmico.
