A ecologia quantitativa é um campo inovador que une o rigor da matemática com os desafios complexos da biologia. A sua proposta central é aplicar a precisão dos dados meteorológicos — que permitem prever a chuva — para antecipar eventos biológicos e ecológicos, como a extinção de espécies ou a reação de uma floresta a um incêndio.
Ao combinar observações em campo com ferramentas de estatística, algoritmos e simulações computacionais, pesquisadores buscam desvendar padrões da vida que são invisíveis a olho nu e, assim, fornecer informações cruciais sobre o destino dos ecossistemas em meio à atual crise climática.
A definição e o caráter transdisciplinar
Para Caio Mattos, coordenador científico do Programa de Formação em Ecologia Quantitativa do Instituto Serrapilheira, a essência do campo reside na combinação de diferentes saberes. A ecologia quantitativa é sobretudo uma conversa transdisciplinar, integrando conceitos e conhecimentos de ecologia com física, matemática e computação para responder aos grandes desafios da sociedade.
Questões que envolvem escala, complexidade e futuro exigem essa abordagem. Quando é necessário ‘observar’ ecossistemas inteiros ou predizer como todas as florestas tropicais reagirão à mudança do clima, o uso de modelos matemáticos, dados de satélite e grandes bases de dados torna-se indispensável.
O papel complementar da modelagem e do trabalho de campo
A abordagem quantitativa não substitui, mas sim complementa o trabalho em campo. O campo fornece a realidade, o que pode ser observado – por exemplo, uma população de cigarras –, e a partir dessa observação surgem as hipóteses.
O processo funciona da seguinte forma:
- A observação em campo estabelece a realidade e gera as hipóteses.
- A matemática atua organizando essas informações e peças.
- A computação entra em ação para permitir a projeção de cenários futuros.
João Lucas Burginski, mestrando da Universidade Federal do Paraná (UFPR), exemplifica essa integração em um projeto na Mata Atlântica. Sua equipe combinou coleta em campo, triagem, análise estatística, experimento em laboratório e modelo computacional para investigar um possível padrão de distribuição de caramujos. Apesar de o padrão não ter sido encontrado no local, a simulação mostrou que ele só existiria em áreas com grande variação de maré, confirmando a importância dos modelos.
Contribuição da ecologia quantitativa para a crise climática
A ecologia quantitativa se intensifica justamente no momento em que a degradação ambiental e a crise climática avançam. Eventos extremos, como ondas de calor, secas, enchentes e furacões, estão ocorrendo em uma frequência e intensidade que superam as previsões científicas anteriores. As simulações ecológicas são vitais para antecipar esses riscos e planejar respostas eficazes.
Um exemplo notável são os modelos globais do sistema terrestre, utilizados para prever os impactos das mudanças climáticas. Neles, um grande volume de dados coletados em campo é sintetizado em equações que representam ecossistemas e projetam suas reações a secas, incêndios ou ao aumento de CO$_2$ na atmosfera.
Além disso, a matemática não é algo externo à ecologia. Grandes teorias ecológicas, como as de competição por recursos, predação ou dinâmica de doenças, surgiram a partir de modelos matemáticos. Alguns dos maiores ecólogos do século XX, como Robert MacArthur, tinham formação em matemática.
O futuro da ecologia
A tendência é que a ecologia se torne cada vez mais integradora, sendo uma síntese entre números e narrativas, modelos e observações. A matemática é essencial para lidar com a complexidade dos dados e sistemas, mas nunca deve substituir a observação atenta e a curiosidade inerente à pesquisa.
O futuro da ecologia consiste em unir o olhar do apaixonado pela natureza ao poder da ciência de dados.